sábado, 28 de maio de 2011

Mundo desencantado

Os relacionamentos, me parece, costumam seguir uma curva que, ao menos até certo ponto, se repete: você conhece alguém, e pode ou não haver um processo de encantamento. Se ele ocorrer, ambos procuram mostrar ao outro o melhor de si, contam suas melhores histórias, agem com a maior gentileza e presteza.

O estágio seguinte é algo que eu descreveria como uma intimidade positiva: os dois se conhecem extremamente bem e estão felizes com isso, sabem o que o outro pensa e deseja sem que seja necessário dizer uma palavra. Imagino que seja nesse estágio que muitas pessoas se casam.

A partir daí o jogo dá uma embaralhada. Em alguns casos, passa-se para uma intimidade com saldo positivo: algumas características que você achava interessantes e charmosas no outro passam a ser meio malas, mas você ainda gosta do outro e está disposto a aguentar as maletices. Em outros casos, os aspectos negativos suplantam os positivos e tudo fica insuportável. Então há um rompimento ou uma vida de cão. Me parece que em ambos os casos há uma espécie de desencantamento, apenas com graus diferentes.

Embora o exemplo mais óbvio seja de fato o dos relacionamentos afetivos, acho que a curva se aplica a quase tudo com o que estabelecemos um relacionamento na nossa vida: amigos, profissão, emprego e também para o novo lugar para onde você se mudou.

Quando me mudei para a r. Augusta, houve um encantamento imediato. Amava morar a duas quadras da Paulista, amava saber que tudo estava aberto a qualquer hora do dia, amava os cinemas da região, amava as pessoas na rua, amava os sebos, amava o restaurante indiano lacto-vegetariano ali do lado, amava as baladas que foram abrindo ali por perto, amava até as putas e os salões de beleza que funcionavam de madrugada para atendê-las.

Incorporei a cena rapidamente. Pintei o cabelo de vermelho, comprei meu All Star, andava sempre com um livro embaixo do baixo e não perdia as mostras de cinema.

Com o tempo, continuei amando, mas algumas coisas começaram a me incomodar: não aguentava mais ver tantos "modernos" na rua, a cada ano que passava com um alargador maior na orelha. As baladas se tornaram repetitivas e perderam um pouco da graça. Mas ainda amava ter tudo perto, ver a rua cheia de gente e morar a duas quadras da Paulista. A intimidade teve um saldo positivo. Quando saí dali, esse ainda era meu estado mental.

Com o centrão de São Paulo, não houve esse processo de encantamento. Fica difícil se encantar quando hordas de noias e toneladas de lixo cobrem a paisagem. Diferentemente de um relacionamento afetivo, no entanto, eu não podia simplesmente escolher não me relacionar com o lugar onde moro.

Por isso, tive de procurar saber como me relacionar num mundo desencantado para mim. A saída que encontrei foi adotar uma postura conciliadora, do estilo "tudo bem, nunca vamos nos amar, mas temos que dar um jeito de viver juntos em razoável harmonia".

E assim foi. Fui tratando de descobrir aspectos que me agradavam. Comecei pelo estômago, é claro. Revisitei o Mercado Municipal e os botecos/restaurantezinhos simples da região que me agradam (La Farina, Sujinho, o Café Girondino, O Gato que Ri, o Almanara) e os menos simples também (Terraço Itália, La Casserole).

Revivi o gosto pelo samba de raiz com cerveja de garrafa na praça Roosevelt e me lembrei como a torta de frango da Padaria Campos Eliseos continua sensacional. Vi um concerto na Sala São Paulo, não sem antes tomar uma tacinha de champanhe. Fui ver uma peça dos Parlapatões, programa que eu acreditava ter enterrado junto com a minha vida de estudante.

Tomei um choppinho sentada na calçada da rua Avanhandava. Descobri que o Pateo do Collegio tem um café para lá de simpático, rota preferencial depois de almoçar no Salve Jorge perto da Bovespa. Ainda tem mais umas coisinhas na manga para o futuro. Afinal, como diz o ditado, quem poupa tem.

Enfim, percebi que, mesmo num mundo desencantado, podemos dar uma enfeitadinha e driblar a curva. Sai pra lá, Tamburello.

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