quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Humano, demasiado humano

Quando começo a escrever um post, a decisão sobre qual será o título é binária: ou bem o título dá o tom do post ou escrevo o post e fico pensando qual será o título para ele. Normalmente gosto mais do que escrevi quando o título se impõe. É o caso deste (título e post).

Em algumas ocasiões acontece algum evento que demonstra como a aparente convivência harmoniosa da sociedade brasileira é só isso mesmo: aparente. Um fato qualquer desencadeia reações iradas que em geral são rapidamente classificadas como reacionárias ou, sei lá, esquerdistas. Os supostos reacionários chamam os supostos esquerdistas de baderneiros e os supostos esquerdistas chamas os supostos reacionários de... bem, de reacionários.

Me lembro rapidamente do episódio do metrô em Higienópolis. Uma moradora do bairro, de acordo com uma matéria da Folha, disse que não queria o metrô no bairro porque ele traria para a região uma "gente diferenciada", também conhecida como pobres. Depois o governo do Estado de SP decidiu que não faria o metrô naquele ponto, porque, segundo eles, ficou constatado que não seria o melhor ponto. Aí pronto: maior tumulto nas redes sociais, chamando para um churrascão da "gente diferenciada" na frente do shopping local. Mais do que o evento em si, fiquei impressionada com a virulência das opiniões.

Isso também me ocorre quando o assunto é o governo do PT. Quem odeia o PT e o Lula odeia mesmo. E, em geral, não fala da corrupção, das reformas que não foram feitas, de algumas péssimas escolhas que o governo do PT fez. Fala é que o Lula não sabe falar, que tem erros de português, que é um tosco, que odeia a tudo e a todos. Os simpatizantes do PT, por outro lado, nem conseguem avaliar o governo dele, mesmo após oito anos. Todas as falcatruas são perdoadas.

A essa altura, já deve ter gente me achando é muito arrogante, pois tanto foi dito por todo mundo a respeito dos dois assuntos, de forma que eu, do alto do nada que sou, jamais poderia acrescentar algo de novo ao assunto. Bom, provavelmente é verdade, mas, como o blog é meu e eu estou com vontade de escrever, vou escrever. Lê quem quer. Quem não quer tem mais um zilhão de opções (aliás, a cada post que passa esse meu blog consegue ter menos acessos, de forma que em breve atingirei o nirvana dos blogs).

Pois bem, o assunto do momento é a confusão na USP. E eu só vou comentá-la porque vi que ela se encaixa nesse quesito de ser um pequeno fato em que as pessoas, por alguma razão, expõem quem elas são de verdade. O que eu mais vi foram comentários de pessoas chamando os uspianos de maconheiros filhinhos de papai depredando os bens públicos. Hoje, pela primeira vez, ouvi uma voz do outro lado: um estudante da USP, cobrindo a reintegração de posse da reitoria pela PM, com um breve relato em primeira pessoa.

Ele reclama da falta de acesso ao interior da reitoria, barrado pela PM, diz que a ação foi violenta (e que a mídia de massa mascarou isso), que os estudantes não depredaram nada e, em dado momento, fala da desumanização da PM. E foi isso que me chamou a atenção: alguém espera que a PM tenha uma reação humanizada? Fiquei quase comovida com aquilo, porque, afinal, alguém esperou isso da PM. Na hora, me veio um risinho irônico, mas logo depois me envergonhei.

No caso do metrô de Higienópolis, eu já havia dito que as pessoas estão lutando as lutas erradas. E aqui reforço a minha percepção. É contra a PM que os estudantes deveriam estar se digladiando? Se uma parcela da população acha que fumar maconha não deveria ser caso de polícia, o problema é com a polícia? Por que eu não vejo um movimento forte para descriminalizar as drogas, lutando para mudar as leis no Congresso? Por que essas pessoas não se organizam de fato, de forma institucional?

Vejo o mesmo aqui na Cracolândia. Todo mundo diz que os noias são uma questão de saúde pública, e não de polícia. Mas, enquanto a questão da saúde pública não se resolve, o restante da população paga o preço. Cadê o movimento social defendendo uma solução institucional? Eu não sei qual é a solução, nem para este caso nem para os outros, e desconfio que qualquer que seja a solução, ela desagradará uma boa parte dos interessados, mas, pelo menos terá sido defendida em argumentos racionais.

Quanto aos manifestantes da USP, gostaria de vê-los envolvidos em questões mais profundas e menos em torno do seu próprio umbigo. Assim teria esperanças de que o povo da Humanas retornou ao foco de olhar para a humanidade, e não para o seu microcosmos.

domingo, 6 de novembro de 2011

Pombas, noias e ruas arborizadas

Minha filha tem medo de pombo. Um medo tenebroso. Treme toda quando vê um, agarra em mim. Não tiro a razão dela. Todo mundo diz que os pombos são ratos com asas, né? São sujos, transmitem doenças, têm carrapatos.

Então, normal ter medo de pombos (embora eu acredite fortemente que, do alto dos seus 3 anos bem vividos, ela não coloque isso na conta). Seria especialmente normal se ela também tivesse medo dos noias e horror ao lixão que se acumula pelas ruas. Mas isso não acontece. Ela acha os noias, as prostitutas e o lixo perfeitamente normais e inseridos no contexto. Cumprimenta todo mundo, elogia a roupa dos travecos, pergunta onde foi que comprou o tênis fosforecente e elogia as unhas pintadas dos pés, sempre cintilantes e pra fora do sapato.

Seu medo dos pombos não é racional, assim como a naturalidade com que trata os noias também me parece um pouco irracional. É naturalidade demais pro meu gosto classe média-baixa.

Embaixo do meu prédio, tem dois bares: um frequentado por africanos e outro por latinos, especialmente peruanos. Ficam bem de frente um para o outro, mas jamais se misturam. Cada um com sua música característica e sem parecer tomar conhecimento do vizinho. Os africanos são sisudos e jogadores: jogam carta e sinuca sem parar. Os latinos são festeiros, falam alto, socializam demais.

Mas nunca vi sair uma confusão entre os africanos. Já entre os latinos... Já vi brigas várias, garrafadas e facada. Sempre tudo lá entre eles, sem afetar os que passam e mto menos os africanos. Para o pobre desavisado que passa na rua, os africanos parecem mais assustadores, falando num idioma que facilmente áspero que pode ser confundido com uma briga, enquanto os latinos parecem eternamente festejar alguma coisa.

Minha filha não faz distinção e trata a todos, africanos e latinos, com a simpatia que lhe é inata (ou, pelo menos, certamente não foi herdada de mim). Os adultos que vêm aqui, no entanto, ficam horrorizados. Já têm na mente os milhares de programas de TV a que assistiram sobre a Cracolândia e confirmam suas suspeitas pela feiúra local.

Nesses dois anos desde que vim pra cá, no entanto, o que me parece é que a confusão é meio interna. Eles estão ali, com suas disputas e loucuras, mas a coisa se restringe a eles. É diferente do Itaim, por exemplo, onde você anda por ruas charmosas e tem um meliante doido pra pegar o celular do playboy que tá saindo do lindo prédio na Faria Lima onde trabalha.

Já fiz essa comparação para várias pessoas e sempre recebo um muxoxo de volta, como se eu estivesse tentando racionalizar a questão apenas pelo fato de morar aqui e não fosse uma observadora isenta para falar. Afinal, todos já têm seus juízos de valor formados.

No fim, ter medo de pomba e não de noia é tão racional quanto achar que o centro é muito mais violento que as áreas nobres da cidade. Por via das dúvidas, mantenho a cautela com tudo: as pombas, os noias e as ruas arborizadas do Itaim.