domingo, 6 de novembro de 2011

Pombas, noias e ruas arborizadas

Minha filha tem medo de pombo. Um medo tenebroso. Treme toda quando vê um, agarra em mim. Não tiro a razão dela. Todo mundo diz que os pombos são ratos com asas, né? São sujos, transmitem doenças, têm carrapatos.

Então, normal ter medo de pombos (embora eu acredite fortemente que, do alto dos seus 3 anos bem vividos, ela não coloque isso na conta). Seria especialmente normal se ela também tivesse medo dos noias e horror ao lixão que se acumula pelas ruas. Mas isso não acontece. Ela acha os noias, as prostitutas e o lixo perfeitamente normais e inseridos no contexto. Cumprimenta todo mundo, elogia a roupa dos travecos, pergunta onde foi que comprou o tênis fosforecente e elogia as unhas pintadas dos pés, sempre cintilantes e pra fora do sapato.

Seu medo dos pombos não é racional, assim como a naturalidade com que trata os noias também me parece um pouco irracional. É naturalidade demais pro meu gosto classe média-baixa.

Embaixo do meu prédio, tem dois bares: um frequentado por africanos e outro por latinos, especialmente peruanos. Ficam bem de frente um para o outro, mas jamais se misturam. Cada um com sua música característica e sem parecer tomar conhecimento do vizinho. Os africanos são sisudos e jogadores: jogam carta e sinuca sem parar. Os latinos são festeiros, falam alto, socializam demais.

Mas nunca vi sair uma confusão entre os africanos. Já entre os latinos... Já vi brigas várias, garrafadas e facada. Sempre tudo lá entre eles, sem afetar os que passam e mto menos os africanos. Para o pobre desavisado que passa na rua, os africanos parecem mais assustadores, falando num idioma que facilmente áspero que pode ser confundido com uma briga, enquanto os latinos parecem eternamente festejar alguma coisa.

Minha filha não faz distinção e trata a todos, africanos e latinos, com a simpatia que lhe é inata (ou, pelo menos, certamente não foi herdada de mim). Os adultos que vêm aqui, no entanto, ficam horrorizados. Já têm na mente os milhares de programas de TV a que assistiram sobre a Cracolândia e confirmam suas suspeitas pela feiúra local.

Nesses dois anos desde que vim pra cá, no entanto, o que me parece é que a confusão é meio interna. Eles estão ali, com suas disputas e loucuras, mas a coisa se restringe a eles. É diferente do Itaim, por exemplo, onde você anda por ruas charmosas e tem um meliante doido pra pegar o celular do playboy que tá saindo do lindo prédio na Faria Lima onde trabalha.

Já fiz essa comparação para várias pessoas e sempre recebo um muxoxo de volta, como se eu estivesse tentando racionalizar a questão apenas pelo fato de morar aqui e não fosse uma observadora isenta para falar. Afinal, todos já têm seus juízos de valor formados.

No fim, ter medo de pomba e não de noia é tão racional quanto achar que o centro é muito mais violento que as áreas nobres da cidade. Por via das dúvidas, mantenho a cautela com tudo: as pombas, os noias e as ruas arborizadas do Itaim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário