sábado, 25 de dezembro de 2010

A corte

Passei muito tempo mudando de trabalho/profissão/casa/cidade de forma irracional. Saí da casa dos meus pais aos 17 anos e, nesses outros 17 anos que se passaram desde então, morei em 16 casas diferentes, com 21 pessoas diferentes (sendo que algumas se repetiram).

Já estava basicamente de saco cheio de tanta mudança. A gota d'água foi quando o proprietário do apartamento onde eu estava pediu o imóvel de volta e eu tive que alugar mais um pau-de-arara, enfiar a filha embaixo do braço e me mudar de novo.

Para dar fim a essa vida de retirante, a solução mais simplista (e vale lembrar que soluções simplistas raramente são as mais racionais) que me ocorreu foi comprar um apartamento.

Foi então que uma cunhada (cunhados... se eu fosse chutar, diria que 87% das roubadas em que a gente se mete são frutos de "hot tips" de cunhados), que mora no centrão há mais de 20 anos, me disse que uma amiga estava vendendo um apartamento no prédio em que ela mora (se cunhado é ruim, imagina amigo de cunhado!).

A história da amiga dona do apartamento era clássica: tinha se separado do marido e precisava vender o imóvel para rachar a grana com ele, como havia sido combinado no acordo do divórcio.

Aproveitei um dia em que minha mãe estava em São Paulo, deixei minha filha com a avó e tomei o busão por dois quilômetros Augusta abaixo. Era domingo, o centro estava calmo e eu achei o trajeto aceitável.

Já o prédio... Parecia bem menos aceitável. Quando vi a fachada, engoli a saliva e entrei.

Meus companheiros de elevador eram basicamente dois grandes travestis, devidamente montados e com aqueles pés enormes pulando para fora de sandálias três números menores do que o devido. Engoli a saliva pela segunda vez.

Mas o fato é que, ao chegar ao apartamento finalmente tive a primeira boa surpresa. Um apê de 2 dorms antigo, pé direito alto, espaçoso, com quartos grandes. Precisava apenas de uma pequena reforma para entrar e o melhor: cabia no orçamento.

Passei um tempo ouvindo a ladainha da dona do apartamento, que desfiava o quanto o ex-marido era um filho-da-puta, que estava obrigando ela a sair dali com os 2 filhos, que o cara tinha carro, mas nunca tinha levado os filhos à escola de carro, que ela queria ter feito faculdade, mas o marido não tinha deixado. E, quando ela falava que ia sair dali, os olhos se enchiam de lágrimas.

Como eu não tenho coração, me prendi aos olhos cheios de lágrimas: "Se ela está chorando por ter de sair, não pode ser tão ruim assim", pensei. Mais uma vez o simplismo sobrepujou a racionalidade.

Nesse momento, a vizinhança e o prédio já tinham sido esquecidos e me apeguei à possibilidade de ter um apartamento espaçoso.

Na volta para casa, ainda compramos um peixinho para a minha filha, o Fagner ("quem dera ser um peixe!"). Quero declarar a todos que pensem duas vezes antes de comprar um peixe-beta, porque esse está comigo até hoje, mais de um ano e meio depois. Ele se abana todo quando chegamos com a comida e come na nossa mão. É praticamente um cachorro.

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